Uma mulher forte

08/03/2012 10:44
 
santa-catarina-de-sena2.jpg

Mulher forte", na bela expressão da Sagrada Escritura, é a Vir­gem Mãe do Homem-Deus. Todas as outras mencionadas no Antigo Testamento são meras pré-figuras desta que é a Mulher Forte por excelência. E as milhares que fulguram no firmamento da História da Igreja são apenas pálidos reflexos de uma parte da For­taleza de Maria.

Entre estas, há simples donas de casa, como a mãe de São João Bosco, a qual, enviuvando-se muito jovem ainda, cultivou animosamente, com suas próprias mãos, os campos donde tirava o sustento da família. Há religiosas que se destacaram por obras grandiosas, como Santa Teresa de Ávila. E há simples leigas que, sem proferir os clássicos vo­tos religiosos, guardaram o celibato, para dedicar a vida inteiramente ao serviço de Deus e de sua Igreja.

Este último é o caso de Santa Catarina de Sena, pro­cla­mada Doutora da Igreja pelo Papa Paulo VI e co-Pa­droei­ra da Europa, por S.S. João Paulo II.

A pequena Catarina

Dotada de grande inteligência e beleza, nasceu Catari­na em 1347, na cidade de Sena, numa época em que a Pe­nínsula Itálica, então dividida em numerosos Estados so­beranos, passava por grandes conturbações, não só no cam­po político, mas também no religioso. Foi a penúltima dos 25 filhos do casal Benincasa, porém, com a morte de sua irmã mais nova, acabou assumindo a posição de caçula e filha predileta da família. Seu pai era um simples tintu­rei­ro, mas - homem hábil e enérgico, reto e de grande repu­tação nas redondezas - bem sucedido na sua profissão.

Essa menina privilegiada recebeu de seus pais e irmãos uma primorosa educação, mas uma reduzida instrução es­colar, pois somente aos 30 anos aprendeu a ler e escrever, segundo consta, de maneira miraculosa. Desde os albores do uso da razão, gostava muito de rezar, de visitar igrejas e ouvir as histórias dos santos.

Desde criança, foi favorecida pelo Esposo das Virgens com dons místicos extraordinários. Por exemplo, com ape­nas 6 anos de idade, teve uma grandiosa visão de Jesus Cris­to. Ela havia saído com seu irmão Estevão para visitar a irmã Boaventura, no outro lado da cidade. Na volta, passando pelo Valle Piatta, Catarina ergueu os olhos em dire­ção à igreja de São Domingos e viu Jesus no ar, revestido de paramentos sacerdotais, sentado num trono sobre nuvens luminosas, acompanhado de São Pedro, São Paulo e São João Evangelista. O Senhor lhe sorriu afavelmente e a abençoou, traçando no ar três cruzes em sua direção, co­mo fazem os bispos. Ela ficou imóvel, petrificada, contem­plando a presença viva de Nosso Senhor. Seu irmão, que nada via, espantado com a imobilidade da menina, gritou-lhe assustado:

- Catarina, que fazes aí?!

Ela voltou os olhos para Estevão e, quando olhou de no­vo em direção à visão, esta já havia desaparecido. Cho­ran­do, queixou-se:

- Ah, se tivesses visto o que eu vi, não me terias cha­ma­do!
 

santa-catarina-de-siena-em-conteplac3a7c3a3o.jpg

Decisão e firmeza desde a infância

Frei Raimundo de Cápua, confessor e primeiro biógra­fo da santa, baseando-se nas recordações de Lapa de Be­nin­casa, mãe de Catarina, conta-nos que esta tomou a re­solução de não casar-se quando tinha apenas 7 ou 8 anos. Era claro que a Divina Providência tinha desígnios especiais em relação a essa filha eleita.

Mas a família tinha para ela outros planos...

Sua pró­pria mãe envidou todos os esforços para que ela também se casasse, no que contou com a ajuda de sua irmã Boa­ven­tura, recém-casada.

Esta, com quem Catarina foi morar, incentivou-a a se vestir e pentear-se elegantemente, para ostentar sua be­leza e conseguir um bom noivo. No início, a jovem Catarina cedeu e, aos poucos, foi-se esmerando em sua apresentação pessoal. Todavia, Jesus queria o coração dessa virgem ex­clu­si­va­mente para Si, e enviou-lhe uma severa advertência, re­pre­sentada pela morte súbita de sua irmã Boaventura.

Caindo em si, Catarina voltou para a casa dos pais, on­de retomou a vida de penitência, que se habituara a levar quando menina.

Para vencer as pressões da mãe, que não desistira de seu intento, a heróica moça cortou sua bela cabeleira, em sinal de completo desapego e de rompimento com o mun­do. Este fato provocou uma feroz reação da mãe, que, em represália, obrigou-a a fazer todo o serviço da casa, como uma servente, e tirou-lhe o quartinho onde ela costumava se recolher em oração e penitência.

Mas, como diz São Paulo, "todas as coisas concorrem pa­ra o bem daqueles que amam a Deus" (Rom 8, 28). A perda de sua "cela monacal" levou a jovem santa a construir para si a "cela do coração", a respeito da qual ela própria comentaria mais tarde, numa de suas inúmeras cartas: "Esta cela é uma moradia que o homem carrega consigo por toda parte. Nela adquirem-se as verdadeiras e reais virtu­des, especialmente a humildade e a ardentíssima caridade" (Car­ta 37).

Vendo a fortaleza da filha, que não cedia em suas convicções e não perdia a alegria, o pai interveio a seu favor, devolvendo-lhe o pequeno quarto e permitindo-lhe receber o hábito de penitente da Ordem Terceira de São Do­min­gos, o qual ela anelava com toda a sua alma.

Núpcias espirituais

Dos 17 aos 20 anos de idade, Catarina passou reclusa em sua cela, orando e jejuando, aprendendo os segredos de Deus e penetrando em suas maravilhas. Só saía para ir à Missa, quase não conversava com ninguém e se alimenta­va pouquíssimo. Aliás, ao longo de sua vida, passou dias e dias alimentando-se apenas da Sagrada Eucaristia. Sua crescente devoção à Santíssima Virgem ajudava-a a ven­cer as tremendas tentações com que o demônio a atormentava.

No ano de 1367, no dia da ceia de Carnaval, véspera da Quarta-Feira de Cinzas, Nosso Senhor apareceu à Santa no recôndito de sua cela, desposando-a em núpcias místi­cas. Após colocar-lhe como sinal um anel de ouro no de­do, ordenou-lhe que fosse juntar-se à família na ceia, pois que­ria fazer dela um apóstolo.
 

santa-catarina-de-siena.png

Do recolhimento ao apostolado e à luta

Começava para nossa Santa nova fase de sua curta vida. Iniciou seu apostolado socorrendo os pobres e enfermos. Não havia quem não a conhecesse em Sena. Também nin­guém que viesse pedir-lhe auxílio e não fosse prontamen­te atendido.

Uma terrível peste avassalou o país em 1374 e Catarina, com generosidade heróica, dedicou-se como nunca a prestar assistência às vítimas do flagelo. Cuidou dos corpos enfermos, mas sobretudo tratou das almas, conseguindo con­quistar muitas delas para o Céu. Curava doentes, con­vertia pecadores impenitentes pela força de sua oração e expulsava demônios com uma só palavra de sua boca.

Muito mais importante, porém, foi a atuação de Santa Catarina naquele conturbado mundo político de fins da Idade Média. Em torno dos Estados Pontifícios, agrupa­vam-se pequenos reinos, além de várias cidades que cons­tituíam Estados soberanos. A todo momento nasciam no­vos conflitos, ou recrudesciam antigos. Sem falar nas "guer­ras privadas" de facções familiares dentro de uma mesma cidade. Muito pior, revoltas de muitas dessas cidades con­tra o Papa. Este defende-se, fulminando com sentença de interdito algumas delas. Novas revoltas, um verdadeiro caos!

Contando só com a força que seu Divino Esposo pro­me­tera que nunca lhe faltaria - e efetivamente nunca faltou! -, Santa Catarina foi chamada a intervir em nume­ro­sos desses conflitos. Viajando quase incessantemente de cidade em cidade, exerceu um importante papel de pacifi­cadora. Como não podia deixar de ser, seu principal empenho tinha como meta a glória de Deus e a defesa do Pa­pado e dos Estados Pontifícios.

Exílio de Avignon e Grande Cisma

Toda essa intensa atividade de Santa Catarina foi, sem dúvida, de grande benefício para a Igreja e a Cristanda­de. Mas não passa de um simples degrau para aquilo que cons­titui sua grande missão pública: a luta para trazer de volta a Roma a sede do Papado.

Forçado por injunções políticas ocasionais, o Papa Cle­mente V, ex-Arcebispo de Bordeaux, transferira em 1309 a Sé Pontifícia de Roma para a cidade francesa de Avignon. Em termos concretos, este fato submeteu os Sucessores de Pedro ao jogo das ambições e das corrupções de reis, prín­cipes e outros governantes terrenos e, infelizmente, mes­mo de altas personalidades eclesiásticas indignas de seus cargos. Tudo isto com enormes prejuízos para o governo da Igreja e a salvação das almas.

 

SANTA CATARINA DE SENA.JPG

Sem nunca exceder sua humilde condição de simples lei­ga de uma Ordem Terceira, Santa Catarina admoestava com ousadia e serenidade, "em nome de Cristo", os grandes des­te mundo, não apenas autoridades temporais, mas inclusi­ve os cardeais da Corte Pontifícia de Avignon. E concorreu poderosamente para que, afinal, no ano de 1377, o Papa então reinante, Gregório XI, decidisse enfrentar a opo­si­ção do Rei de França e reinstalar na Cidade Eterna o governo do mundo cristão.

Mas Gregório XI faleceu no ano seguinte, sendo sucedido por Urbano VI. Um grupo de Cardeais, sob pretextos falaciosos, se revoltou contra ele, voltou para Avignon, declarou nula a eleição do Papa legítimo e elegeu um anti­papa, o qual tomou o nome de Clemente VII.

Nasceu assim o chamado Grande Cisma do Ocidente, du­rante o qual Santa Catarina foi a paladina e a coluna de sustentação do verdadeiro Papa, por ela cognominado de "o doce Cristo na Terra".

"O que é fraco no mundo, Deus o escolheu para confun­dir os fortes" - afirma São Paulo (1 Cor 1, 27). A humil­de filha do tintureiro Benincasa empreendeu inúmeras viagens para resolver complicadas questões; foi conselheira de reis, príncipes, bispos e até mesmo de Papas. Iluminada pelo Es­pírito Santo, fortalecida pela graça do Deus Crucificado, fez tudo quanto pôde para defender a unidade da Igreja que tanto amava, na pessoa do sucessor de Pedro.

Doutora da Igreja

Com apenas 33 anos, partiu para a eternidade a 29 de abril de 1380, deixando uma plêiade de discípulos, um exem­plo de vida e uma obra escrita composta de 381 cartas, 26 orações e o livro "O diálogo", no qual descreve todo o seu método de apostolado e vida interior, chamado pela Igre­ja como "livro da doutrina divina".

Por seus ensinamentos cheios de verdade e sabedoria, foi honrada pelo Papa Paulo VI com o título de Doutora da Igreja, em outubro de 1970. "Suas cartas são como fagu­lhas de um fogo maravilhoso que brilha em seu coração, ar­dente do Amor infinito que é o Espírito Santo" - afirmou o Santo Padre ao outorgar-lhe este glorioso título.

Que o exemplo de Santa Catarina de Sena penetre em nossas almas, com a força desse mesmo fogo que ardia em seu coração, e nos traga a fidelidade plena e íntegra à San­ta Igreja de Cristo, na pessoa augusta do Papa.

Por Juliane Campos.

stacatarinasena.jpg